Há baleias e spoilers nesse texto
Assim como a primeira temporada de “The Boys”, a segunda possui apenas oito episódios, e com bastante material e personagens para preencher o espaço de tempo disponível, não há necessidade de capítulos soltos, aqueles que não avançam em nada a trama ou fornecem alguma informação relevante.
“Mil Homens Armados com Espadas”, definitivamente acelera a trama e coloca a série em um ponto que, sinceramente falando, esperava demorar um pouco mais para chegar, e consegue fazer isso sem tropeços, mantendo ou até mesmo superando a qualidade dos episódios anteriores.
Com o super terrorista e irmão de Kimiko (Karen Fukuhara) sob seu poder, Billy Butcher (karl Urban), juntamente com seus companheiros, pretende entrega-lo para Grace Mallory (Laila Robins) obtendo assim proteção e garantindo a derrocada da Vought; o que parece ainda mais próximo de acontecer, uma vez que o plano de Hughie (Jack Quaid) e Luz-Estrela (Erin Moriarty) funciona, e o composto V chega ao conhecimento da imprensa que denuncia a empresa.
De uma hora para a outra, a ideia de que os supers receberam seus poderes como uma benção divina desmorona, ao mesmo tempo em que a Vought é acusada de usar bebês como cobaias, o que faz com que suas ações despenquem na Bolsa de Valores, e obrigue Stan Edgar (Giancarlo Esposito) a agir rapidamente.
É interessante ver a reação de vários dos “Sete” ao descobrir que foram criados em laboratório, como “Profundo” (Chace Crawford) que gostaria de ter sido normal, sem guelras ou a capacidade de falar com peixes. Em meio ao seu humor ácido a série nos faz refletir sobre como seria a vida de alguém que de fato consegue se comunicar com criaturas marinhas; peixinhos dourados se transformam em prisioneiros e restaurantes japoneses em matadouros.
O fato do ponto de encontro ter sido marcado originalmente em um barco no meio do oceano é claramente uma oportunidade de “Profundo” mostrar todo o seu poder, em uma cena grandiosa, o que de fato acontece, mas não exatamente como esperávamos (ou sim, se você assistiu o trailer da segunda temporada).
Já sabemos que sangue e vísceras não são um tabu na série, mas eles seguem encontrando maneiras de se superar.
Tudo isso obriga o Capitão Pátria (Antony Starr) a intervir, mas antes, temos uma cena muito interessante envolvendo ele e seu filho.
Ficou claro há muito tempo na série, que Pátria é mentalmente perturbado, se considera um deus caminhando entre mortais, e que ao contrário do mantra que ele insiste em repetir – vocês é que são os grandes heróis – ele despreza pessoas comuns.
A relação de Pátria com o filho recém encontrado está profundamente ancorada no fato dele estar convicto que o garoto possui super poderes, embora ainda não haja nada que comprove sua crença.
A cena em que ele tenta ensinar o filho a voar é bastante esclarecedora neste sentido. Embora não seja dito em momento algum, Pátria parece não enxergar qualquer problema em empurrar o filho do telhado porque se ele tiver super poderes, sobreviverá, e se não tiver, não é o filho que gostaria de ter, um pensamento que combina perfeitamente com sua visão distorcida de mundo.
O Capitão Pátria não é apenas uma cópia distorcida do Superman, com sua capa nas cores da bandeira e suas ombreiras em forma de águia, é também uma crítica ao patriotismo exacerbado e a visão de superioridade do chamado “American Way of Life”. Lembre-se que no episódio 02, quando duas alternativas de slogan lhe são apresentadas: “Salvando a América” ou “Salvando o Mundo”, ele não hesita em escolher a primeira opção.
Nesta metáfora, os Estados Unidos da América são os super-heróis, os demais países do mundo entram na categoria super vilão ou humano comum, para serem enfrentados ou controlados.
E se havia qualquer dúvida de que Tempesta seria uma oponente a altura, ela se dissipou. A novata demonstra não estar disposta a obedecer o Capitão Pátria, é impiedosa, possui os poderes e a determinação para lutar pelos holofotes e pela liderança dos “Sete”.
Para piorar, ela também não parece se importar com a morte de inocentes que cruzam o seu caminho; há um momento em que ela até mesmo ataca eles sem qualquer razão aparente.
Há uma possibilidade a ser cogitada; o confronto com Kimiko e seu irmão ocorre em um prédio e todos os moradores com quem ela se encontra e ataca gratuitamente são negros. Acho muito difícil ser uma coincidência, o que faria de Tempesta possivelmente uma supremacista branca.
Isso se confirma a partir dos quadrinhos de Garth Ennis, com a diferença de que lá, Stormfront é um homem e defensor declarado das ideias propagadas por Hitler.
É bom lembrar que na Marvel, a heroína Tempestade (Ororo) é negra, africana e membro dos X-Men, que lutam contra o preconceito contra mutantes. Ela foi inclusive casada com T’challa, o Pantera Negra, tornando-se rainha de Wakanda.
Se o Capitão Pátria é a corrupção de tudo aquilo que o Superman é, Tempesta parece ser a corrupção de tudo aquilo que Tempestade representa.
Por fim, quero mencionar a atual situação do Trem Bala (Jessie Usher), o velocista dos “Sete”; embora nos quadrinhos muitas vezes não percebamos o quanto um personagem desses pode ser complicado de lidar, em uma mídia diferente como a televisão ou cinema é bem diferente.
Sua super velocidade o torna um grande problema para o roteiro; apenas imagine a cena final deste episódio com os poderes do Trem Bala no auge. O grupo de Butcher e Hughie não possui recursos para enfrentar a maioria dos super-heróis, por essa razão, vivem fugindo do confronto direto. Trem-Bala, no entanto, pode localiza-los, desarmá-los e nocauteá-los em um piscar de olhos.
Para lidar com a situação, o roteiro dá para o personagem um problema cardíaco derivado do uso constante de Composto V, que o impede de usar sua velocidade máxima por muito tempo. Não sei dizer se foi assim também nos quadrinhos, mas é uma solução inteligente.
Os três episódios iniciais liberados pela Amazon passaram mais rápido do que a corrida entre o Trem Bala e Onda de Choque, pegaram nossas expectativas que já eram altas e jogaram para a estratosfera do mesmo jeito que o Capitão Pátria atira uma bola de baseball.
A partir de agora, veremos um episódio por semana, e teremos mais tempo para digerir o que veremos, o que parece uma boa ideia, já que essa série está explodindo cabeças (de alguns personagens literalmente).
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Fernando Fontana é escritor e adulto amador, autor de “Deus, o Diabo e os Super-heróis no País da Corrupção” e da Graphic Novel “O Triste Destino da Namorada do Ultra-Homem”, é criador deste site e colaborador do Canal Metalinguagem, onde escreve sobre quadrinhos e filmes antigos.